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IMPACTOS DA PANDEMIA (NOVO ‘CORONAVÍRUS’ – ‘COVID-19’) NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA EMPRESA

A Ação de Recuperação Judicial (artigo 47 da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2.005) ‘tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica’.

Como ponto de partida para uma ação de recuperação judicial se tem, necessariamente, uma situação de crise econômico-financeira empresarial. Um dos requisitos indispensáveis para a propositura está compreendido na exposição das ‘razões da crise econômico-financeira’ (artigo 51, inciso I, da Lei nº 11.101/2005).

As causas de crise econômico-financeira empresarial, com frequência, têm a sua gênesis, a sua origem, em fatos ou motivações internas ou decorrem de fatos ou motivações do setor de atuação do empresário por ela vitimado. A título apenas ilustrativo, a crise pode advir de uma má gestão empresarial; de uma flutuação cambial inesperada; de um movimento brusco do seu mercado (são clássicos os exemplos das máquinas de escrever ou das máquinas fotográficas com filmes de rolos, cujos mercados desapareceram); ou pela indesejável ocorrência de vícios nos produtos ou serviços oferecidos (como ocorrido no recente e de grande repercussão, caso da Cervejaria Backer, em Minas Gerais).

É inegável que a pandemia do ‘novo coronavírus’, que está a assombrar toda a comunidade mundial nos últimos meses, além de causar graves impactos nos sistemas de saúde, tanto público, como privado, também, já demonstrou, está impactando enormemente toda a economia mundial. É seguro que praticamente todos os setores da economia serão afetados. A pandemia será, sem sombra de dúvida, em si suficiente para, em nome de um contratualismo que os próprios institutos de recuperação empresarial incorporam, ser motivação externa tanto para orientar proposituras novas (novas ações de recuperação); quanto para uma revisão de planos em cuja elaboração a pandemia não foi considerada; tanto quanto para revisões de planos já consolidados, aprovados, homologados e em fase de cumprimento. Justificando esta argumentação, o que se tem é um fato de conhecimento geral, a pandemia, que outra coisa não é que não ela própria: a pandemia.

O mundo dos empresários, o mundo dos consumidores, assim como o mundo dos magistrados não desconhecem os fatos. O comércio, a indústria, o agronegócio, os serviços, todos, afetados, sofrem com uma realidade de abalo estrutural no desempenho de suas atividades. A título de exemplo, o setor aéreo, os bares e restaurantes, empresas públicas e privadas de transporte de passageiros, a construção civil, todos, cada um de uma forma e em determinada medida, estão a enfrentar crise econômico-financeira que não provocaram, eis que decorre exclusivamente da pandemia. Não será novidade o aumento exponencial dos meios e modos de recuperação disponíveis, com destaque para a ação de recuperação judicial.

Retornando à lei de regência, ajuizada a ação e deferido o seu processamento, deve a empresa Recuperanda apresentar o seu Plano de Recuperação Judicial, no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias (artigo 53 da Lei nº 11.101/2005). Conforme dados publicados pelo Serasa/Experian, o número de ações do tipo, no Brasil, vem crescendo ano após ano. Há, portanto, no Poder Judiciário brasileiro, inúmeros Planos de Recuperação Judicial apresentados, diversos deles já aprovados, outros homologados, outros tantos transitados em julgado e em fase de cumprimento das obrigações nele contidas. Para esses casos, a realidade da pandemia terá sido cruel, não mais se tendo, não mais se verificando, as condições de exigibilidade das obrigações nele previstas, reclamando, cada uma dessas hipóteses, providência que não provém de simples leitura de textos legais. Tenha-se presente, em exercício de tema próprio da interpretação das leis, que na sua feitura só se considera o quadro posto. Nenhuma lei há de ser um ‘contempla-tudo’.

Com isto, o que se quer afirmar é que, por inequívoco, o cenário empresarial em que os Planos de Recuperação Judicial terão sido concebidos, noutro quadro de realidade, simplesmente mais não subsiste, tendo praticamente todas as suas premissas, todas as suas projeções, todas as suas afirmações, caído por terra. A grande maioria de tais Planos de Recuperação Judicial, certamente, em face do estado de calamidade pública instaurado – verdadeiro ‘estado de guerra’ – decorrente dos profundos impactos econômicos causados pela pandemia, se tornarão praticamente inexequíveis. São vários e tradicionais os institutos jurídicos invocáveis em situações que tais. Todos eles pertinentes, mas, isoladamente, nenhum deles suficiente para explicar a grandeza dos nefastos efeitos decorrentes de uma catástrofe. Exemplificativamente, de se enumerar: a força maior; o caso fortuito; o fato do príncipe; a teoria do equilíbrio contratual (‘rebus sic stantibus’).

Em se tratando de descumprimento de Plano de Recuperação Judicial regularmente aprovado pela Assembleia Geral de Credores, a penalidade imposta à Recuperanda, prevista no artigo 73, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005, se afigura muito grave: a convolação da sua Ação de Recuperação Judicial em Falência. Neste caso, perdem todos. O empresário, o dono do capital; o funcionário que perde o seu posto de emprego; os fornecedores que não mais tem aquela fonte de receitas; os credores que muito provavelmente pouco ou nada receberão de seus respectivos créditos; o Estado que vê esvair uma importante fonte de arrecadação de tributos e de geração de empregos; e o próprio mercado em si, que terá catapultado importante agente estimulador da atividade econômica.

No intento de colaborar na busca de soluções que a urgência do tema reclama, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em sessão virtual do dia 31 de março de 2.020, aprovou ‘recomendações’ no sentido de orientar juízes e uniformizar tratamento dos processos de recuperação judicial durante a pandemia. Em linhas gerais as recomendações do CNJ são as seguintes: i) priorizar a análise e decisão sobre levantamento de valores em favor dos credores ou empresas recuperandas; ii) suspender as Assembleias Gerais de Credores presenciais, autorizando a realização de reuniões virtuais quando necessárias para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos pagamentos aos credores; iii) prorrogar o período de suspensão previsto no artigo 6º da Lei de Falências, quando houver a necessidade de adiar a Assembleia Geral de Credores (o denominado ‘stay period’); (iv) autorizar a apresentação de plano de recuperação modificativo, quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia do COVID-19, incluindo a consideração, nos casos concretos, da ocorrência de força maior ou de caso fortuito antes de eventual declaração de falência (Lei de Falências, artigo 73, inciso IV); v) determinar aos administradores judiciais que continuem a promover a fiscalização das atividades das empresas recuperandas de forma virtual ou remota, e a publicar na Internet os Relatórios Mensais de Atividade; e vi) avaliar, com cautela, o deferimento de medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e atos executivos de natureza patrimonial em ações judiciais que demandem obrigações inadimplidas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2.020. Com efeito, não caberia ao CNJ fazer mais do que fez, à simples razão de que o seu rol de recomendações tem, exclusivamente, caráter e objetivo de melhor gerenciamento processual; agilização de providências; priorização de atos que guardem relação com o estado de calamidade pública instaurado. De se retomar, portanto, o discurso de que, com base naquele contratualismo já anotado, as partes e os interessados envolvidos, todos, e não menos do que todos, têm a obrigação e o dever de compreender a gravidade desse momento novo que o vírus impõe à Humanidade; portanto, para além, muito além, de exclusivos interesses empresariais-patrimoniais.

Especificamente quanto ao tema objeto desta breve abordagem, a recomendação do CNJ de maior relevância é aquela disposta em seu item ‘iv’. É que modificado, por completo, o cenário econômico e as premissas mercadológicas que embasaram a elaboração dos Planos de Recuperação Judicial oportunamente apresentados, tornando-os absolutamente inexequíveis, a autorização para a apresentação, pela Recuperanda, de plano de recuperação modificativo, quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia do COVID-19, certamente afastará aquela indesejável, por todos, convolação da recuperação judicial em falência. Neste caso, o que no título deste trabalho se denomina de procedimento, na verdade, é providência que reclama apenas uma petição nos próprios autos, em face da jurisdição em aberto, e, portanto, dentro daquele consagrado princípio do juízo universal para o feito (artigo 61 da Lei nº 11.101/2005).

Resta analisar a segunda situação cuja pandemia esteja a impactar Plano em cumprimento regular, cujo processo de recuperação judicial esteja encerrado. Para a hipótese, não mais existindo juízo prevento, porquanto extinto o processo, o que se tem, no plano das novações, são contratos e obrigações novas. Em casos tais, não mais haverá como invocar o princípio da universalidade do juízo original (artigos 62 e 63 da Lei nº 11.101/2005). Esta é a hipótese de uso da ação que se propõe criar, cujo nome outro não pode ser que não a Ação de Revisão de Plano de Recuperação Judicial.

O rito, a liturgia e o procedimento desta sugerida e nova ação haverão de ser os mesmos expressamente regulados na Lei de Recuperações Judiciais e Falências, evidentemente que com a regular publicação de editais previstos, oportuna realização de Assembleia Geral de Credores, com a consequente aprovação e homologação do novo Plano de Recuperação Judicial, nesse tempo novo, em sua forma ajustada.

O conceito de insolvência empresarial, na doutrina, se apresenta de modo plural, compreendendo-se na impontualidade, inadimplência, insolvabilidade e na insolvência propriamente dita. Conforme anotado, as situações de fato identificadoras da crise suscitam invocações de institutos diversos, dentre os quais a força maior, mas não só. A pandemia que se abateu sobre o mundo é, em relação a tudo isso, diferente e singular e, portanto, é preciso dar as boas vindas a esta nova ação, que certamente será de larga utilização nos foros, em defesa da empresa brasileira.

José Anchieta da Silva
Max Roberto de Souza e Silva

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